sábado, 12 de janeiro de 2008

Libertação de reféns das FARC repercute e enfraquece presidente da Colômbia.

A libertação de duas reféns pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) nesta quinta-feira (10) enfraquece a imagem do presidente colombiano Álvaro Uribe no cenário internacional. Essa é a avaliação do professor Gilberto Dupas, coordenador-geral do Grupo de Conjuntura Internacional da USP e presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais. “Em linhas gerais, eu diria que Uribe dá sinais de fraqueza”.
A ex-candidata à vice-presidência da Colômbia, Clara Rojas, e a ex-deputada Consuelo Gonzáles de Perdomo, foram soltas pela guerrilha após meses de negociações que tiveram a intermediação do presidente venezuelano Hugo Chávez e da senadora colombiana da oposição Piedad Córdoba, com o aval do governo de Uribe.
Para o professor Dupas, a aproximação de Chávez com as Farc "irrita profundamente" o presidente Álvaro Uribe. Por outro lado, avalia, a comunidade internacional exerce forte pressão para que o mandatário colombiano seja bem-sucedido na soltura dos reféns da guerrilha.
“O Uribe está em maus lençóis nesse aspecto, porque se ele radicaliza, a comunidade internacional, que sempre gosta de posar de humanitária, muito mais do que praticar o humanitarismo, cria problemas para ele, acusando-o de radicalizar e prejudicar a vida dos reféns”, explica.
Essa foi a segunda tentativa de libertação. Na primeira, entre novembro e dezembro do ano passado, as Farc suspenderam a entrega das reféns. A guerrilha alegara que o exército colombiano estava realizando manobras militares na região em que Rojas e Gonzáles seriam soltas.
Na avaliação de Dupas, os Estados Unidos ficaram "muito quietinhos" no processo de negociação por não "saber bem como se posicionar". “Se ficar o bicho come, se correr o bicho pega”.
Coisas da vida: o governo norte-americano elogiou, de maneira tímida e por meio de um porta-voz, os "bons ofícios" prestados por Hugo Chávez na libertação dos reféns.

Em entrevista a Diego Salmen, do Terra Magazine, Dupas analisa os bastidores da
libertação das reféns, explica qual o papel de Brasil e França no imbróglio e
fala sobre o impacto da iniciativa das Farc na imagem internacional dos
presidentes Chávez e Uribe.


Qual o papel de Hugo Chávez nessa libertação?
Essa é uma questão complexa porque, em primeiro lugar, ela tem a ver com o espaço que o Chávez ocupa hoje no ideário político da América da Sul. Para além da importância da Venezuela como terceiro maior país da América do Sul, e para além da importância fundamental que a Venezuela tem para a união das nações sul-americanas, por aquilo que ela pode dar de contribuição geral de sinergias econômicas, a figura do Chávez é uma figura singular. Ele basicamente explora um espaço que sempre existirá na América do Sul e na América Latina, que é o espaço da esquerda mais radical, voltada ao tema fundamental da exclusão e da pobreza, um tema evidentemente de ecos muito profundos na América Latina. Esse espaço foi ocupado num primeiro momento por Fidel Castro, em Cuba, e nesse momento Chávez o explora com relativa competência, às vezes cometendo excessos que causam embaraços nos seus aliados, outras vezes cavalgando sozinho um espaço que é relativamente virgem e que sempre existirá por razões muito compreensíveis e justificadas na América Latina.
Certo.Isto é para tentar explicar um pouco a razão da figura de Chávez e porque ele encontra com seu discurso ecos importantes em geral como um libertário, como um retomador de teses mais radicais, inclusive de polarização com os Estados Unidos.
Então o fato então dele ser um presidente mais à esquerda, com aspirações socialistas, facilitou a negociação com as Farc?
Eu acredito que tem um jogo de poder um pouco mais complicado. Em primeiro lugar, está a complexidade da relação entre Colômbia e América do Sul. A Colômbia foi e é ainda a exceção com relação ao alinhamento norte-americano na América do Sul. Há cinco, seis anos atrás, estava pronto um acordo de livre-comércio com os Estados Unidos - do qual participava inclusive a Venezuela - que acabou sendo dinamitado pela saída de Chávez, o que foi bom até para a América do Sul. Isso deixou a Colômbia num isolamento bastante relativo. O Uribe é uma figura carismática e populista também, eles (Chávez e Uribe) guardam certas semelhanças, embora isso pareça contraditório. E, de alguma fora, as relações entre Colômbia e Venezuela são relações paradoxais. De um lado esse gesto das Farc em direção a Chávez obviamente irrita profundamente Uribe, e inclusive permite a Uribe reclamar de intervenções de Chávez no seu território. Por outro lado, a comunidade internacional pressiona muito o Uribe com relação ao problema dos reféns da guerrilha. As Farc hoje são um movimento complexo, que mistura desde movimentos libertários genuínos até conexões com o narcotráfico, e tem também uma lógica política bastante complicada. O Uribe está em maus lençóis nesse aspecto, porque se ele radicaliza, a comunidade internacional - que sempre gosta de posar de humanitária, muito mais do que praticar o humanitarismo - cria problemas para ele, acusando-o de radicalizar e prejudicar a vida dos reféns. Por outro lado, Uribe, cedendo espaço em seu território para uma ação do Chávez, evidentemente perde popularidade, perde poder, no seu próprio país.
O sucesso na libertação dos reféns pode ser considerado uma derrota política para Uribe?
Não gosto de colocar as coisas de maneira maniqueísta, porque é mais complicado. Eu diria que isso mostra para a comunidade internacional que Uribe, apesar de sua rigidez, é tão movido por sentimentos humanos e humanitários em relação aos reféns que até daria essa "colher de chá" ao Chávez. Essa é uma das leituras possíveis, inclusive para aqueles que apóiam o Uribe.
E os contrários...
Aqueles que são contrários a ele vão dizer que ele cedeu soberania ao Chávez numa operação complexa. Eu diria que na realidade, por trás dessa operação toda aparentemente humanitária, há um jogo de poder muito oportuinista, inclusive dos líderes internacionais, a começar do Sarkozy. Ele sempre olhou isso como se fosse a possibilidade para mais uma ação dele, que de um lado tem posições radicalmente duras com relação às questões humanitárias na França, mas ao mesmo tempo quer posar de bom moço.
Para ele serve como plataforma política dentro da França.
Isso. O jogo da política internacional é um jogo de oportunismo, então é preciso olhar acima dessa visão maniqueísta para poder entender.
Qual foi o papel de países como Brasil e França, que enviaram emissários para acompanhar o processo de libertação dos reféns?
Eu acredito que os países latino americanos - sul-americanos especialmente - não podiam deixar de atender o convite do Chávez, dado que se não atendessem ficariam numa posição delicada, seja para dar legitimidade à operação, seja para permitir eventualmente a libertação dos reféns. O fato da libertação não ter ocorrido quando a missão internacional não estava lá é uma coisa um pouco complicada, alegaram-se problemas logísticos...
...o governo colombiano disse na época que as Farc haviam "enganado" Chávez...
É, e por outro lado houve a questão do menino (Emannuel, filho de Clara Rojas, uma das reféns libertadas). E agora Chávez se levanta um pouco. Já a presença dos observadores internacionais, incluindo os franceses, eu diria que basicamente é uma questão de oportunismo da política.
Agora, no que diz respeito à imagem internacional: qual o impacto da libertação dos reféns para a imagem de Hugo Chávez e de Álvaro Uribe?
Em primeiro lugar, quando nós falamos de imagem internacional para Venezuela e Colômbia, nós estamos exagerando um pouco. Estamos falando de imagem com relação à América Latina, talvez. Em linhas gerais, eu diria que Uribe dá sinais de fraqueza. E, portanto, pode ser que isso apresse uma coisa positiva, que é uma aproximação do Uribe - e portanto da Colômbia - com uma aliança sul-americana, o que seria altamente desejável. Esse é um aspecto regional que tem peso. Por outro lado, você pode ver que os Estados Unidos estão muito quietos nessa história, não sabem bem como se posicionar, porque se ficar o bicho come, se correr o bicho pega. O que, evidentemente, mostra uma faceta interessante da questão hemisférica: os EUA, que sempre foram os grandes financiadores da Colômbia, nesse assunto estão muito quietinhos, com dificuldade de colocar uma posição.
E quanto a Chávez?
Com relação ao Chávez, todo mundo hoje mais ou menos entende o que é o Chávez. É um homem pragmático, ao mesmo tempo com posições de esquerda mais radical, que avançou no aspecto social, especialmente nos programas sociais utilizando recursos de petróleo para, bem ou mal, fazer chegar à população menos protegida, o que é difícil de criticar. Por outro lado, é um homem histriônico e idiossincrático, com um perfil um pouco curioso e que também já está um pouco balizado na comunidade internacional. É um homem complicado, digamos assim.
Mas essa própria retórica dele tem um objetivo político dentro da Venezuela, não?
Sim, tem. Agora, evidentemente que ele vai propagandear essa libertação intensamente. No fundo, é um jogo complicado, porque a vida desses reféns está em jogo. E por trás dessa dança política muito conhecida, o que você tem ali é uma situação com um componente humano muito complicado e muito trágico. A história dos reféns que estão há muitos anos com as Farc, em suma: é uma situação muita complicada que precisa ser analisada com bastante cuidado.

Fontes: Terra Magazine / www.vermelho.org.br

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