terça-feira, 19 de maio de 2009

Quadrinhos geram polêmica , Governo de São Paulo sequer lê o que distribui.


É necessário analisar de forma mais crítica e contextualizada a reportagem veiculada na edição desta terça-feira do jornal "Folha de S.Paulo".
A matéria, intitulada "SP distribui a escolas livro com palavrões", revela que o governo de São Paulo comprou um álbum em quadrinhos com palavrões e conteúdo sexista.
"Dez na Área, Um na Banheira e Ninguém no Gol", da editora Via Lettera, seria distribuída a alunos da terceira série do ensino fundamental.
Segundo a reportagem, assinada pelo jornalista Fábio Takahashi, o livro "é recheado com expressões como ´chupa rola´, ´cu´ e ´chupava ela todinha.´
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A obra integra um lote de 818 títulos comprados para um programa chamado Ler e Escrever, que tem como proposta estilumar a leitura.
Do livro da Via Lettera, o governo encomendou 1.216 exemplares. A obra é de 2002. A editora disse que apenas atendeu ao pedido de impressão feito pelo governo.
O governo do Estado informou à Folha que houve um erro na escolha, "pois o material é inadequado para alunos dessa idade". A obra foi recolhida.
A Secretaria de Educação também irá instaurar uma sindicância para apurar como se deu o processo de seleção. A previsão do governo é que o resultado saia em 30 dias.
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A história mais criticada, segundo a reportagem, seria a que encerra o álbum, de autoria de Caco Galhardo.
O desenhista criou uma mesa-redonda sobre sexo, feita nos moldes dos programas esportivos exibidos aos domingos à noite. Há, de fato, palavrões e conteúdo sexista.
Galhardo foi ouvido pela reportagem da Folha. Segundo ele, a história não foi feita para ir à escola e a pessoa que fez a seleção "não leu o livro".
"Há um movimento de se colocar quadrinhos nas aulas, porque é uma linguagem acessível para a molecada. Fiz uma adaptação do Dom Quixote que foi para várias escolas. Mas os caras têm de ter critério para ver qual quadrinho colocar. Nessa eu tirei sarro de uma mesa-redonda. "
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O caso tenta fazer uma ponte com outra polêmica protagonizada pela Secretaria de Educação do governo José Serra.
Em março, reportagem do mesmo jornal revelou que alunos da sexta série receberam material em que o Paraguai aparece duas vezes num mapa.
O caso levou à queda da então secretaria, Maria Helena Guimarães de Castro. Foi substituída pelo ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza.
São situações que conotam equívocos. Inclusive no modo como foi noticiado. Há o sério risco de se transformar exceção em regra.
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É fato que um livro com palavrões, em quadrinhos ou não, é inadequado a alunos de terceira série? É. Há a necessidade de uma maturação maior para ler obras assim.
Mas não se pode pensar que palavrões sejam sinônimo de má qualidade. O que seria do filme "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, sem tais termos.
"Meu nome é Zé Pequeno, porra!", disse um dos protagonistas do longa, em um dos clímax narrativos da produção. E não incomodou ninguém.
O mesmo pode ser dito da literatura marginal. Ou de peças como "Caixa 2", de Juca de Oliveira. Palavrões servem como recurso para caracterizar os personagens.
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Outra ponderação é que não se pode transformar exceção em regra. O recurso faz parte do modus operandi da imprensa e precisa ser lido de forma crítica.
"Dez na Área, Um na Banheira e Ninguém no Gol" não é "recheado" com palavrões, ao contrário do que informa a reportagem. Eles aparecem em quatro das 11 histórias.
Ou seja: os termos dito chulos aparecem em 36,36% da obra. Menos da metade, portanto.
E, dado o contexto das histórias e o estilo dos autores - um deles é Allan Sieber -, são mais do que pertinentes.
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A reportagem da Folha também não registra dois dados. O primeiro é que a obra foi organizada por Orlando, um dos ilustradores do jornal.
O prefácio foi feito pelo ex-jogador Tostão, um dos colunistas da Folha. O fato também não foi mencionado. Tostão fala bem da obra. São dele as palavras a seguir.
"O desenho e as poucas palavras - ou nenhuma - informa, analisam e nos divertem."
"Faltava um obra como essa para crianças e adultos. Muitos leitores de futebol já estão cansados de análises técnicas dos comentarias esportivos, como eu. Você vai adorar!"
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Outro perigo de generalização é a forma como o assunto vai ecoar no restante da imprensa nesta terça-feira. Em geral, jornalistas desconhecem quadrinhos.
A questão que fica é qual será o enfoque da pauta. Livro comprado pelo governo paulista traz palavrões ou história em quadrinhos comprada pelo governo traz palavrões?
Nos dois casos, os quadrinhos inevitavelmente irão compor as matérias. Afinal, a obra criticada foi feita nessa linguagem.
O risco é, como dito, o da generalização. Na cabeça de muitas pessoas, que lerão, ouvirão ou assistirão a tais reportagens, quadrinhos podem ser vistos de forma depreciativa.
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É um discurso herdado da década de 1940 em diante e que persiste, porém adormecido. É um olhar que enxerga os quadrinhos como produto infantil ou de baixa qualidade.
Percebe-se isso nos detalhes. Um caso são reportagens que iniciam o texto com lugares-comuns como "quadrinhos já não são mais coisa de criança". Li uma assim em 2008.
Pode ser, claro, que a generalização não ocorra neste caso.
Mas as chances em contrário são grandes.
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Se ocorrerem, a entrada dos quadrinhos na sala de aula pode retroceder alguns passos.
E reforçaria o olhar de quem enxerga nas adaptações literárias a forma mais aceitável de presença dos quadrinhos no ensino.
Isso, sim, seria um erro. Erro que esconderia as reais falhas dos processos seletivos feitos pelos governos, tanto estadual quanto federal.
E os quadrinhos e seus autores seriam os culpados, os laranjas da história. De novo.


Escrito por PAULO RAMOS no BLOG DOS QUADRINHOS.

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